terça-feira, abril 29, 2008

não me lembro de alguma vez ter estado assim tão quente.
lembro-me bem da brisa pesada e do silencio profundo daquela noite. lembro-me bem do intenso bafo quente que me despertou da cama. e de como os lençóis e almofada gotejavam suor! era impressionante...

lembro-me bem...

e foi nessa noite.
foi nessa noite que...

que conheci uma mais bela mulher. que bela mulher...
uma cigana, uma verdadeira cigana...
uma com orgulho e verdadeiro fogo cigano! aquele fogo que arde sobre o mais poderoso combustível: a felicidade! felicidade da musica, de festa, tão bruta e contagiante. e que dança louca com as labaredas que se alastram no pavimento, noite adentro, sempre noite adentro... que a qualquer momento explode sem aviso, no mais improvável espaço! espaço esse que tanto pode ser o acampamento isolado na paisagem mais árida da ibéria, sobre o sol quente do mais duro verão português, montado à sombra de uma grande azinheira que se demarcou na linha do horizonte. ou então a cave escura e mexida, fumada pelos inúmeros charutos e cigarros, que frequentemente se acendem e bem depressa se queimam. e regada pelos licores, aguardentes e vinhos doces, de produção caseira, que são vendidos ao copo e vêm de uma garrafa daquelas da 3a prateleira a contar de cima.

foi esta a cigana que conheci. feliz por viver e por viver sem limites.

tinha uns olhos profundos como o mar! e se eu, descuidado, os olhasse directamente por um momento(e este momento era sempre tão longo...) então perdia-me naquele mar cinzento e lá ficava, sentado, imóvel, a observar as gaivotas que voavam a minha volta, deixando um rasto cor de mel nos céus. e aquela agua azul, tão límpida e cristalina, que se estendia no horizonte infinito e a toda a minha volta... (olhem, lá estou eu outra vez!) . e se não me perdia nos seus olhos, então todo aquele cabelo negro e forte me embalava num sonho de cheiros e toques suaves e primaveris, como se um campo de flores me abraçasse e ao mesmo tempo se soltasse no vento.
e no meio do meu sonho eu ouvia o canto afinado e limpo, tão puro, que me acordava e me dizia-"vêm comigo, anda. vamos ver mais deste mundo, tão vasto e belo e que nos pertence a todos e por tão pouco tempo."- e então íamos os dois, perder-nos na noite mais uma vez...


mas sobre esta noite então. dizia eu que era uma noite diferente do normal. estava tão quente que eu me acabei por levantar da cama. não conseguia dormir, sabem? e então, não sei bem porque, decidi-me a dar uma volta. vestir-me, sair e passear de noite, por capricho e porque sim.

sai pelas traseiras e fui pelo caminho mais isolado, que ia para a floresta.
não era algo normal para mim, ir andar sozinho no meio da natureza desconhecida, e ainda por cima de noite, mas acho que a luz convidativa da lua foi um enorme incentivo. sabem, estava lua cheia. uma daquelas muito grandes e brilhantes, com uma luz de prata que se reflectia nos charcos e na relva molhada.
toda a vastidão de árvores e pequenas plantas se juntava de noite num derradeiro esforço para apanhar o vento quente que soprava. e eu ali a olhar fiquei tão impressionado que me juntei a elas.

entrei e fui andando pelo meio das árvores. ás vezes parava para observar e ouvir os largos troncos e enormes folhas que pareciam sussurrar palavras de uma língua tão antiga como o vento. estranho era como se calavam à minha chegada...
mas bastavam uns passos e logo começava o mesmo canto sem fim. era um canto mágico, sabem?

e aos poucos, fui caindo sobre o seu encanto. fui-me afastando dos caminhos que nunca devia abandonar e deixei-me levar pelo espaço.
vagueei sem sentido na natureza verde. e capturei mentalmente cada detalhe daquela noite, que me seduziu assim com tanto e tão pouco.

e foi ai. como eu, alguém estava naquele momento apaixonado pela vida oculta que corria em silêncio por entre a relva baixa; por baixo das pedras que em silencio julgavam os ramos mais jovens, que bem do alto se riam, sem pena, das velhas rochas, para quem o tempo apenas
reservara o direito a definhar devagar e permanecer imóveis e mudos, à espera, coitados...

naquele momento esqueci todo o mundo de uma vez e reaprendi observando. naquele momento vi mares e serras, ruas e caminhos e tantos sóis e luas e tantas e tantas estrelas...
vi-me a mim próprio diante de um vazio enorme. e pensei sobre a vida e a morte e o tempo e o mundo e o universo. e como eu, outro alguém fazia o mesmo, no mesmo momento.

ainda bem que..

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Sem dúvida o teu texto que me deu maior prazer literário. Viajei.
Só me desiludiu um pouco a frase final. Pensei que ela não teria dito nada, porque as palavras seriam todas demasiado pequenas.
Mas não sou eu quem escrevo...e em todo o caso é uma bela história (ou estória, já nem sei)

*

13/5/08 04:41  
Blogger Rasputine said...

tem muitas gralhas e arestas por limar. e não está concluído, não como eu queria quando o comecei a escrever.ainda vou pegar nele, numa qualquer altura..
mas mesmo assim, obrigado pelo simpático comentário.

13/5/08 18:23  

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